Capítulo 2

Vou ter de explicar. É que eu não sou exat amente como qualquer garota de
16 anos.
Quer dizer, acho que eu pareço bastante normal. Não uso drogas, nem
bebo, nem fumo – tudo bem, só daquela vez em que o Soneca me pegou.
Não tenho nenhum piercing, só furos nas orelhas, e só um em cada lóbulo.
Não tenho nenhuma tatuagem. Nunca pintei o cabelo. À parte minhas botas
e minha jaqueta de couro, não exagero no preto. Nem uso esmalte escuro
nas unhas. No final das contas, sou uma adolescente americana
perfeitamente normal e comum.
Só que eu falo com os mortos .

Talvez não devesse dizer assim. Talvez devesse dizer que os mortos é que
falam comigo. Quer dizer, eu não ando por aí procurando esse tipo de
conversa. Na realidade, tento evitar essa coisa toda o mais que posso.
Mas o negócio é que às vezes eles não me largam.
Estou me referindo aos fantasmas.
Não acho que eu seja maluca. Pelo menos não mais maluca que qualquer
outra adolescente de 16 anos. Suponho que posso parecer maluca para
certas pessoas. A maioria do pessoal no bairro onde eu morava certamente
achava isto. Que eu era biruta. Mais de uma vez puseram os conselheiros
da escola para cuidar de mim. Às vezes chego a pensar que talvez até fosse
mais fácil simplesmente deixar que me trancafiassem.
Mas mesmo no nono andar de Bellevue - que é onde eles trancafiam os
loucos em Nova York - eu provavelmente ainda não estaria a salvo dos
fantasmas. Eles me achariam.
Eles sempre me acham.
Ainda me lembro do primeiro. Lembro -me dele com a mesma clareza das
minhas outras lembranças daquela época, o que significa que não me
lembro muito bem, pois tinha apenas cerca de dois anos. Acho que me
lembro tão bem quanto me lembro de ter livrado um camundongo das
garras do nosso gato, mantendo-o protegido em meus braços até que minha
mãe, horrorizada, o arrancasse das minhas mã os.
Puxa vida, eu só tinha 2 anos, tá? Na época, ainda não sabia que a
gente devia ter medo de ratos. Nem de fantasmas, por sinal. Por isso é que,
quatorze anos depois, nenhum dos dois me assusta. Talvez me espantem,
às vezes. E certamente me chateiam um b ocado. Mas me dar medo?
Nunca.
A aparição, exatamente como o camundongo, era pequeno, cinzenta e
desprotegida. Até hoje não sei quem era. Mas eu falei com ela, algum
tatibitate de bebê q ela não entendeu. Os fantasmas não entendem crianças
de dois anos, como aliás ninguém entende. Ela só ficou me olhando
tristemente do alto da escada do nosso prédio. Acho que eu estava com
pena dela, assim como tivera pena do camundongo, e queria ajudá -la. Só
não sabia como. De modo que fiz o que qualquer criança de dois an os
faria. Corri para a minha mãe.
Foi então que aprendi minha primeira lição a respeito dos fantasmas: só eu
sou capaz de vê-los.
Quer dizer, é claro que outras pessoas também podem vê -los. Caso
contrário, não teríamos casas mal -assombradas, histórias de fantasmas,
seriados de mistério e tudo o mais. Mas existe uma diferença. A maioria
das pessoas que vêem fantasmas, só vêem um. Já eu vejo todos os
fantasmas.
Todos mesmo. Qualquer um. Qualquer pessoa que tenha morrido e por
algum motivo ainda esteja por aí, em vez de ir para onde deveria ir, eu sou
capaz de ver.
E posso lhe garantir que isto significa um bocado de fantasmas.
No mesmo dia em que eu vi meu primeiro fantasma também descobri que a
maioria das pessoas - até mesmo minha mãe - não consegue vê-los. E aliás
ninguém que eu tenha conhecido consegue. Ou pelo menos ninguém
confessa.
O que me faz lembrar da segunda coisa que aprendi sobre os fantasmas
naquele mesmo dia, há quatorze anos: no fim das contas, é sempre melhor
não dizer que você viu um fantasma . Ou, no meu caso, qualquer fantasma.
Não estou dizendo que minha mãe entendeu que eu estava apontando
para um fantasma ao mesmo tempo que balbuciava umas coisas
incompreensíveis naquela tarde quando tinha 2 anos. Duvido que ela
soubesse. Provavelmente pensou que eu estava querendo dizer alguma
coisa sobre o camundongo que ela havia tirado de mim naquela manhã.
Mas ela parecia descontraída lá no alto da escada e concordou com a
cabeça dizendo:
-Rã-rã... Escuta, Suze. O que vai querer para o almoço? Queijo q uente?
Atum?
Eu não esperava exatamente uma reação semelhante à que ela teve no caso
do camundongo. Minha mãe, que na época também estava cuidando do
bebê de uma vizinha, soltara um berro daquelas ao ver o camundongo nos
meus braços e berrara mais alto ain da quando eu anuncie orgulhosamente
que agora também tinha o meu bebê - e hoje eu me dou conta de que ela
podia não ter entendido, já que não sacou a história do fantasma.
Mas eu esperava pelo menos que ela percebesse aquela coisa que eu estava
flutuando no alto da escada. Diariamente estavam me dando explicações
sobre praticamente tudo que eu encontrava pela frente, dos hidrantes às
instalações elétricas. Por que não sobre aquela coisa no alto da escada?
Mas quando eu estava comendo o meu queijo qunte, um pouco depois,
entendi que minha mãe não havia explicado nada sobre aquela coisa
cinzenta porque eu não a tinha visto. Para ela, a coisa não estava lá.
Com dois anos de idade, isto não me pareceu absurdo. Na época, pareceu
simplesmente mais uma coisa q torn ava as crianças diferentes dos adultos.
As crianças tinham de comer legumes até o fim. Os adultos não
precisavam. As crianças podiam andar no carrossel no parque. Os adultos,
não. As crianças podiam ver as coisas cinzentas. Os adultos não
conseguiam.
E embora eu estivesse apenas dois anos, entendi que aquela coisinha
cinzenta no alto da escada não deveria ser comentada. Não deveria ser
comentada com ninguém. Nunca.
E eu nunca comentei. Nunca falei com ninguém sobre o meu
primeiro fantasma, nem nunca comente i com ninguém sobre as centenas de
fantasmas que viria a encontrar nos anos seguintes. E no fim das contas,
comentar o quê? Eu os via. Eles falavam comigo. Na maioria das vezes, eu
não entendia o que eles estavam dizendo, o que queriam, e geralmente eles
iam embora. Ponto final.
Provavelmente a coisa teria continuado assim indefinitivamente se meu pai
não tivesse morrido de repente.
Isso mesmo. Simples assim. Lá estava ele um belo dia na cozinha,
cozinhando e contando piadas como sempre fazia, e no dia segu inte tinha
partido.
E durante toda a semana que se seguiu à sua morte - que eu passei na
varanda em frente ao nosso prédio, esperando meu pai voltar para casa - as
pessoas ficavam me dizendo a toda hora que ele nunca voltaria.
Claro que eu não acreditava. e por que havia de acreditar? Meu pai não ia
voltar? Eles tinham ficado malucos. Tudo bem, ele podia ter morrido. Esta
parte eu tinha pego. Mas certamente ia voltar. Quem ia me ajudar com o
dever de matemática? Quem ia acordar cedo comigo nos sábados para
fazer waffles e ver desenhos animados? Quem ia me ensinar a dirigir
quando eu tivesse 16 anos, como ele havia prometido? Meu pai podia ter
morrido, mas com toda certeza eu voltaria a vê -lo. Todo dia eu estava
vendo uma quantidade de pessoas mortas. Por que não haveria de ver o
meu pai?
E no fim eu estava certa. Puxa vida, meu pai tinha morrido. Quanto a isto
não havia a menor dúvida. Ele morreu de um enfarte fulminante. Minha
mãe mandou cremar seu corpo, e guardou suas cinzas numa antiga caneca
de cerveja alemã - aquela com alça. Meu pai adorava a cerveja. Ela botou a
caneca numa prateleira bem alta, onde o gato não pudesse derrubá -la, e às
vezes, quando achava que eu não estava por perto, eu a surpreendia
conversando com ela.
Isto me deixava muito triste. Quer dizer, ela não tinha culpa. Se estivesse
na situação dela, sem saber o que eu sabia, provavelmente eu também
conversaria com a caneca.
Mas, como você vê, era aí que todas aquelas pessoas do meu
quarteirão se enganavam. Meu pai estava morto, é verdade. Mas eu
realmente voltei a vê-lo.
Na realidade, é provável que o veja mais hoje em dia do que quando ele
estava vivo. Quando estava vivo, ele tinha de ir ao trabalho quase todo dia.
Agora que está morto, já não tem muito o que fazer. De modo que o vejo
um bocado. Às vezes até demais, no fundo. O passatempo favorito dele é
aparecer de repente quando eu menos espero. É meio chato.
Foi meu próprio pai que finalmente me explicou tudo. De modo q num
certo sentido é bom que ele tenha morrido, pois de outra forma e u nunca
ficaria sabendo.
Na verdade, não é bem verdade. Certa vez, uma cartomante de tarô disse
algo a respeito. Foi numa festa na escola. Eu só fui porque a Gina não
queria ir sozinha. Para mim ia ser uma chatice, mas acabei indo porque é
para essas coisas q servem as melhores amigas. A mulher - Zara, médium
vidente - leu as cartas da Gina, dizendo exatamente o que ela queria ouvir:
você terá muito sucesso, será neurocirurgiã, vai se casar com 30 anos, terá
três filhos, blablablá. Quando ela acabou, eu me levantei para ir embora,
mas Gina insistiu em que Madame Zara também lesse cartas para mim.
Você pode imaginar o q aconteceu. Madame Zara leu as cartas uma vez,
ficou confusa, embaralhou-as e leu de novo. Depois olhou para mim:
- Você fala com os mortos - disse ela.
Gina ficou agitada:
-Meu Deus do céu! Meu Deus! É mesmo? Suze, você ouviu isso? Você é
capaz de falar com os mortos! Você também é médium!
-Médium não - atalhou Madame Zara - Mediadora.
Gina ficou com ar de absoluto espanto.
-O quê? Que diabo é isso?
Mas eu sabia. Não sabia que nome davam, mas sabia o que era. Meu pai
não tinha explicado as coisas exatamente daquela maneira quando falou
comigo, mas de qualquer modo eu peguei a raiz da questão: simplesmente
eu sou o contato para praticamente todo mundo q estica as canelas
deixando as coisas... digamos, incompletas. E aí, quando posso, eu ajeito as
coisas.
É a única maneira que eu consigo explicar a coisa. Não sei por que
fui ter tanta sorte - quer dizer, nas outras coisas eu sou tão normal. Bom,
quase... Simplesmente e infelizmente tenho essa capacidade de me
comunicar com os mortos.
Mas não qualquer um morto. Só os que estão infelizes.
Você já entendeu então que nos últimos 16 anos a minha vida tem sido
mesmo um mar de rosas.
Imagine só, ser assombrada - literalmente assombrada - pelos mortos, a
cada minuto de cada dia da sua vida. Não é nada agradável. Você vai ali na
lanchonete tomar um refrigerante... opa, falecido na esquina. Alguém o
baleou. E se você puder levar os tiras ao sujeito que faz aqu ilo, ele pode
finalmente descansar em paz.
E tudo que você queria era um refrigerante.
Ou você vai à biblioteca... e pá, lá vem o fantasma de uma dona de livraria
querendo que você vá dizer ao sobrinho dela que está furiosa com a
maneira como ele passou a tratar os gatos depois que ela bateu as botas.
E esses são só os caras que sabem por que ainda estão rondando por aí. A
metade deles não tem a menor idéia de por que ainda não foram para o tipo
de vida que os esperava depois que morreram.
O que não deixa de ser um saco, claro, pois eu sou a boboca que tem de
ajudá-los a tomar rumo.
Eu sou a mediadora.
Pode crer que não é o destino que eu desejaria a ninguém.
Não se pode dizer que nesse campo da mediação as recompensas sejam
generosas. Ninguém nunca se deu a o trabalho de me oferecer um salário ou
coisa parecida. Nem sequer um pagamento por hora. Só aquele calorzinho
gostoso, de vez em quando, quando você faz alguma coisa boa para
alguém. Como por exemplo, dizer a uma garota que não conseguiu se
despedir do avô antes de ele morrer que ele realmente a ama, e a perdoa
por aquela vez em que ela jogou fora sua coleção de selos. Esse tipo de
coisa realmente pode acalentar o coração.
A maioria das vezes, no entanto, são mesmo calafrios o tempo todo.
Além do estresse - estar sendo o tempo todo atormentada por gente que só
você consegue ver -, o fato é que muitos fantasmas são estúpidos à beça.
Isso mesmo. São chatos de dor. Esses são em geral os que realmente
querem ficar mesmo rondando aqui neste mundo em vez de segui rem para
o outro. Provavelmente eles sabem que por seu comportamento na vida
mais recente não podem esperar muito boa coisa na que está por vir. De
modo que ficam por aí atazanando as pessoas, batendo portas, fazendo
barulho com os objetos, provocando frio , gemendo. Você sabe do que eu
estou falando. A velha história de fantasmas...
Mas é que às vezes eles são bem brutos. É quando tentam machucar as
pessoas. De propósito. É aí que em geral eu fico danada. É quando me dá
vontade de dar um pontapé no traseiro de um fantasma.
E era isso que minha mãe estava falando quando disse aquela frase - "Ah,
Suze, outra vez?!..." Quando eu chuto os fundilhos de um fantasma, as
coisas tendem a ficar um pouco... complicadas.
Não que eu tivesse a menor intenção de bagunçar m eu novo quarto. Por
isto é que dei as costas para o fantasma sentado perto da minha janela e
disse:
- Deixa pra lá, mãe. Está tudo bem. O quarto é maravilhoso. Obrigada
mesmo.
Deu para ver que ela não estava acreditando em mim. Não é nada fácil
enganar minha mãe. Eu sei que ela está desconfiando que há alguma coisa
comigo. Simplesmente ela não consegue imaginar o quê. O que
provavelmente é bom, pois do contrário todas as certezas dela ficariam
abaladas demais. Sabe como é, ela é repórter de televisão. Só ac redita no
que vê. E fantasmas ela não consegue ver.
- Que bom, que bom que você gostou - disse ela. - Eu estava meio
preocupada. Isto é, sabendo como você não gosta... bem, de lugares
antigos.
Lugares antigos são os piores para mim porque quanto mais velha for uma
construção, mais chances haverá de que alguém tenha morrido nela e de
que ele ou ela ainda estejam rondando por ali, em busca de justiça ou ...
querendo transmitir alguma mensagem final a alguém. Para você ficar
sabendo, isto resultou em alguns la nces dos mais interessantes, na época
em que minha mãe e eu estávamos procurando apartamento na cidade. A
gente entrava naqueles apartamentos que pareciam perfeitamente OK, e eu
começava a dizer "Não, não, de jeito nenhum" sem uma razão
aparentemente que eu pudesse explicar. É mesmo um espanto que minha
mãe não tenha me despachado depressinha para um internato.
- Na boa, mamãe - disse eu. - Muito bom. Adorei.
Ouvindo ido, Andy começou a zanzar agitado pelo quarto, mostrando -me
que as luzes podiam ser acesas e apagadas com palmas (ai, meu deus...) e
vária outras gracinhas que ele havia providenciado. Eu ia atrás dele,
mostrando que estava encantada, mas tomando o cuidado de não olhar na
direção do fantasma. Era mesmo comovente ver como o Andy queria me
ver feliz. E como ele parecia querer tanto, eu estava decidida a ser mesmo
feliz. Ou pelo menos tão feliz quanto é possível para uma pessoa como eu.
Depois de um certo tempo, Andy já não tinha mais o que me mostrar e saiu
para começar a preparar o churrasco, poi s em homenagem à minha
chegada teríamos um jantar especial. Soneca e Dunga foram "pegar uma
onda" enquanto não chegava a hora e Mestre, balbuciando misteriosamente
alguma coisa sobre uma "experiência" em que estava trabalhando, meteu -
se em alguma outra parte da casa, deixando-me sozinha com minha mãe...
quer dizer, mais ou menos.
- Está tudo bem mesmo, Suze? - quis saber ela. - Eu sei que é uma
mudança muito grande. Sei que é pedir muito de você...
Eu tirei minha jaqueta de couro. Não sei se já disse, mas e stava quente à
beça para o mês de janeiro. Uns 25 graus. Eu quase havia torrado no carro.
- Está tudo bem, mãe - respondi. - Mesmo.
- Estou querendo dizer que pedir que você se separasse da vovó, da Gina,
de Nova York... Foi egoísmo meu, eu sei. Sei que as coisas não têm sido...
como dizer, fáceis para você. Especialmente desde que papai morreu.
Minha mãe gostava de pensar que o motivo pelo qual eu não sou a
adolescente tradicional do jeito que ela era quando tinha a minha idade -
ela era chefe de torcida, rainha de beleza, tinha montes de namorados e
coisas do tipo - é por eu ter perdido meu pai tão cedo. Ela culpa a morte
dele por tudo, desde o fato de eu não ter amigos - como exceção da Gina -
até minhas eventuais demonstrações de comportamento bizarro.
E acho mesmo que muitas coisas que fiz no passado podiam parecer bem
bizarras para alguém que não soubesse por que eu estava agindo daquela
maneira, ou que não pudesse ver para quem eu estava fazendo aquilo.
Muitas vezes fui apanhada em lugares onde não dev eria estar. Algumas
vezes cheguei a ser levada para casa pela polícia, acusada de invasão de
propriedade, vandalismo ou arrombamento.
E embora nunca tenha sido condenada por nada, já passei muitas horas no
consultório da terapeuta da minha mãe, ouvindo que esta minha tendência
para falar comigo mesma é perfeitamente normal, mas que provavelmente
o mesmo não se pode dizer da minha inclinação para conversar com
pessoas que não estão presentes.
O mesmo quanto à minha aversão a qualquer edifício que não tenha s ido
construído nos cinco últimos anos.
O mesmo quanto ao número de horas que costumo passar em cemitérios,
igrejas, templos, mesquitas, casas ou apartamentos (trancados de outras
pessoas e na escola depois do horário.
Acho que os garotos do Andy devem ter ouvido falar alguma coisa sobre
isto, daí aquela pergunta sobre andar em gangues. Mas, como disse, nunca
tive de cumprir nenhuma pena por nada.
E as duas semanas de suspensão na oitava série nem chegaram a ser
notadas em minha caderneta.
De modo que não era de estranhar que minha mãe estivesse ali
sentada na minha cama, falando de "começar de novo" e coisas assim. Não
deixava de ser estranho que ela o estivesse fazendo enquanto aquele
fantasma estava sentado ali a alguns passos apenas, nos observando. Mas
não importa. Parecia que ela tinha necessidade de falar sobre como as
coisas iam ser muito melhores para mim lá na Califórnia.
E se era isto que ela queria, eu ia fazer tudo que tivesse ao meu alcance
para satisfazê-la. Já tinha resolvido não fazer nada que pudesse acabar me
levando para a cadeia, o que já era um bom começo.
- Bom - fez minha mãe, já meio sem fôlego depois de todo aquele discurso
para dizer que eu não ia fazer amigos se não fosse simpática. - Então, se
você não quer ajuda para desfazer as ma las, acho que vou ver como é que o
Andy está se saindo com o jantar.
Além de ser capaz de construir praticamente qualquer coisa, o Andy era
um excelente cozinheiro, o que minha mãe certamente não era nem longe.
Eu respondi:
- Isso aí, mãe. Faça isso. Vou só me ajeitar um pouco aqui e daqui a pouco
desço.
Minha mãe concordou e se levantou - mas não ia me deixar escapulir assim
tão facilmente. No momento em que ia passar pela porta, voltou -se e disse,
com os olhos azuis cheios de lágrimas:
- Eu só quero que você seja feliz, Suzinha. É a única coisa que eu sempre
quis. Você acha que vai ser feliz aqui?
Eu dei um abraço nela. Quando estou com minhas botinas, tenho a mesma
altura que ela.
- Claro, mãe - respondi. - É claro que vou ser feliz aqui. Já estou me
sentindo em casa.
- É mesmo? - fez minha mãe, fungando. - Jura?
- Juro.
E eu não estava mentindo, pois se no meu quarto no Brooklyn também
havia fantasmas o tempo todo...
Ela saiu e fechou a porta. Esperei até que não estivesse mais ouvindo os
passos dela na escada e então me voltei.
-OK - fui dizendo para aquela presença no assento da janela - Quem diabos
é você?

Leave a Reply